Fortalecer a indústria é essencial para a inovação e a competitividade do Brasil, avaliam especialistas

Retração do setor, responsável por quase 72% das exportações do país e por mais de 60% do investimento empresarial em pesquisa e desenvolvimento, tem afetado o desempenho da economia como um todo, apontaram participantes de seminário promovido pela CNI (foto: CNI/divulgação)


Elton Alisson | Pesquisa para Inovação – A despeito de a industrialização no Brasil ter sido tardia, iniciada um século e meio após a primeira e a segunda revoluções industriais, o país conseguiu construir ao longo das últimas décadas um parque industrial vigoroso e diversificado, que até poucos anos atrás foi a mais importante plataforma manufatureira da América Latina. As sucessivas crises econômicas internas, associadas a problemas estruturais que elevam o custo Brasil, contudo, vêm inibindo a competitividade e o crescimento da indústria nacional.

Na década de 1980, por exemplo, a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) do país chegou a 34% e, atualmente, caiu para 22%. Nos últimos dez anos, a indústria de transformação brasileira encolheu em média 1,5% ao ano e hoje representa só 11% do PIB brasileiro.

Essa retração da indústria nacional tem afetado o desempenho da economia como um todo uma vez que, embora tenha participação de 22% no PIB, o setor responde por quase 72% das exportações brasileiras e por 33% da arrecadação de impostos. Além disso, compromete a competitividade e os esforços de inovação do país, dado que a indústria é responsável por mais de 68% do investimento empresarial em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e dá sustentação para outros importantes setores econômicos do Brasil, como os do agronegócio, do comércio e o de prestação de serviços por meio do desenvolvimento de tecnologias, máquinas e equipamentos.

A avaliação foi feita pelos participantes do seminário “Desenvolvimento industrial, científico e tecnológico”, realizado em 11 de maio pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em colaboração com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Serviço Social da Indústria (Sesi) e em parceria com o jornal digital Poder360. O evento integra o ciclo de cinco debates idealizados pela CNI sobre o tema “200 anos de independência – a indústria e o futuro do Brasil”. Os encontros contam com a curadoria do ex-senador e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) Cristovam Buarque.

“A retração da indústria nacional é muito preocupante porque o efeito multiplicador de riquezas do setor é fundamental para o desenvolvimento econômico e social do país”, disse Robson Braga de Andrade, presidente da CNI.

De acordo com o dirigente, no século 20, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, a indústria brasileira passou por um notável ciclo de prosperidade. Entre as décadas de 1950 e 1970, a participação do setor na economia praticamente dobrou. Em meados da década de 1980 a indústria chegou a responder por quase metade do PIB do país.

Essa rápida expansão foi resultado da adoção de políticas públicas que incentivaram investimentos maciços do governo e da iniciativa privada em setores estratégicos, como energia, transportes, siderurgia, mineração e produção de petróleo, entre outros, apontou Andrade.

“As medidas governamentais que apoiaram a industrialização do país seguiram os modelos de desenvolvimento da época e se basearam em elevadas tarifas de importação e em outros instrumentos de proteção às empresas e aos produtos nacionais. Também continham iniciativas voltadas para atração de indústrias estrangeiras, especialmente aquelas com cadeias produtivas longas como as do segmento automotivo. Essas políticas foram decisivas para o crescimento e para a consolidação do parque industrial brasileiro”, avaliou.

Foi nesse período, especificamente na década de 1970, que foi criado o primeiro grande programa-polo no país, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), apontou Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP.

“Hoje está na moda falar em moonshots, em pesquisa orientada à missão, que no Brasil nasceu com o Proálcool. Foi um programa que envolveu muitas instituições de pesquisa e empresas e resultou no desenvolvimento de tecnologias nacionais próprias para enfrentar o desafio tecnológico daquele momento, que era a questão energética”, avaliou.

Lamentavelmente, a partir dos anos 1980, a atividade industrial no Brasil perdeu impulso em decorrência de diversos fatores, notadamente da instabilidade macroeconômica, marcada pela inflação descontrolada, afirmou Armando Monteiro Neto, ex-senador e conselheiro emérito da CNI.

“Mesmo quando o Brasil conseguiu estabilizar a economia tivemos problemas, como a fortíssima apreciação do câmbio. Além disso, a dificuldade de entender a mudança do cenário mundial fez com que não conseguíssemos transitar da política de substituição de importações para um modelo mais aberto, que permitisse que o Brasil pudesse desenvolver competências especialmente na produção de bens de maior densidade tecnológica e maior complexidade. Com isso, perdemos competência crescentemente”, avaliou.

Retomada do setor

A fim de recuperar e fortalecer a indústria no país, os especialistas defenderam a criação e a implementação de uma agenda que combine a superação de antigos obstáculos que elevam os custos das empresas no país – como sistema tributário complexo e cumulativo, infraestrutura deficiente, baixa qualidade da educação e insegurança jurídica – com uma política industrial moderna, alinhada com as melhores práticas internacionais, que promova a produtividade e a inovação.

Ao contrário dos planos do passado, em que predominavam medidas protecionistas, as atuais políticas de apoio ao setor industrial de países como Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul e França estimulam a exposição das empresas ao mercado internacional e têm como foco o desenvolvimento interno das chamadas tecnologias habilitadoras, vinculadas à indústria 4.0, à economia digital e à descarbonização, apontaram.

“Talvez a indústria do futuro não seja caracterizada pela criação de setores novos, como os que surgiram depois da segunda revolução industrial e da Segunda Guerra Mundial, mas integrará polos de tecnologias que vão ser pervasivas e presentes em áreas como inteligência artificial, data science e IoT [internet das coisas]”, disse Pacheco.

Para se adequar a essa nova realidade, será preciso construir uma política industrial acoplada à tecnológica e olhar para o que está ocorrendo no cenário internacional, caracterizado por uma rivalidade comercial crescente entre países como os Estados Unidos e a China e acirrada pelo contexto da guerra na Ucrânia, a fim de identificar oportunidades, avaliou.

Uma das oportunidades que o Brasil tem hoje é o chamado nearshoring – a terceirização de algumas funções de empresas para instalações em países próximos –, uma vez que os países centrais estão avaliando a possibilidade de instalar suas cadeias produtivas em nações próximas, além da Ásia, disse Ana Cristina Costa, coordenadora de estratégia industrial e desenvolvimento da área de indústria, serviços e comércio exterior do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES).

“Mas isso tem que ser feito de modo inteligente, para que tenhamos ganhos relativos, como a atração de centros de P&D e a capacidade de desenvolvermos cadeias produtivas locais”, ponderou.

Agenda econômica

A agenda do aumento da competividade da indústria brasileira só poderá ser concretizada com a existência de políticas econômicas que estimulem as empresas e que cobrem delas um desempenho inovador melhor, ressaltou Pacheco.

“É preciso empurrar as empresas para que elas possam ser inovadoras, estimulando-as a competir no mercado internacional. Mas o desempenho delas nesse quesito dependerá da economia, porque a inovação é uma agenda essencialmente econômica”, afirmou.

Se não ocorrer uma recuperação do aumento da participação da indústria no PIB, o Brasil dificilmente atingirá os patamares de investimentos privados em P&D necessários para ser competitivo globalmente, avaliou Dan Ioschpe, presidente do conselho de administração da Iochpe-Maxion e do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

“Além disso, corremos o risco de transferir o esforço de P&D para ser realizado por outros países, porque as tecnologias habilitadoras têm de estar próximas do processo industrial”, afirmou.

Na avaliação dele, não há fatores que impeçam o Brasil de avançar na agenda de retomada e fortalecimento do setor industrial, a exemplo do que vem sendo implementado em países desenvolvidos e em desenvolvimento.

“Não nos falta potencial. Inclusive, em algumas áreas como a descarbonização e a segurança alimentar, não há lugar mais bem aquinhoado no mundo do que o Brasil. A única razão para o insucesso do país será a incapacidade de transformar potencialidades e recursos em resultados”, avaliou.

O evento pode ser assistido na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=pdCJOy8aFbg.




Fonte: FAPESP
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